Morgana representa na lenda arturiana, a figura de uma Deusa
Tríplice da morte, da ressurreição e do nascimento, incorporando uma jovem e
bela donzela, uma vigorosa mãe criadora ou uma bruxa portadora da morte. Sua
comunidade consta de um total de nove sacerdotisas (Gliten, Tyrone, Mazoe,
Glitonea, Cliten, Thitis, Thetis, Moronoe e Morgana) que, nos tempos romanos,
habitavam uma ilha diante das costas da Bretanha. Falam também das nove
donzelas que, no submundo galês, vigiam o caldeirão que Artur procura, como
pressagiando a procura do Santo Graal. Morgana faz seu debut literário no poema
de Godofredo de Monmouth intitulado "Vita Merlini", como feiticeira
benigna.
Mas sob a pressão religiosa, os autores a convertem em uma
irmã bastarda do rei, ambígua, freqüentemente maliciosa, tutelada por Merlim,
perturbadora e fonte de problemas.
Nenhum personagem feminino foi tão confusamente descrito e
distorcido como Morgana ou Morgan Le Fay. A tradição cristã a apresenta como
uma bruxa perversa que seduz seu irmão mais novo, Artur, e dele concebe o
filho. Entretanto, nesta época, em outras tribos celtas, como em muitas outras
culturas, o sangue real não se misturava e era muito comum casarem irmãos, sem
que isso acarretasse o estigma do incesto.
Morgana e Artur tiveram um filho fruto de um Matrimônio
Sagrado entre a Deusa (Morgana encarna como Sacerdotisa) e o futuro rei.
Quem era Morgana?
Como muitos indivíduos legendários e românticos, há versões
conflitantes sobre quem e o que foi Morgana. O historiador e cronista do século
XII, Geoffroi de Monmouth, escreveu que "sua beleza era muito maior do que
a de suas nove irmãs. Seu nome é Morgana e ela aprendeu a usar todas as plantas
para curar as doenças do corpo. Ela também conhece a arte de mudar de forma, de
voar pelo ar...ela ensinou astrologia às irmãs."
Relatos antigos contam-nos que ela era uma Velha Deusa da
Sabedoria, a Senhora e Rainha de Avalon, a Alta Sacerdotisa da Antiga Religião
Celta. Aprendeu magia e astronomia com Merlim. Alguns achavam que ela era uma
"fada arrogante", pois era símbolo de rebeldia feminina contra a
autoridade masculina. Quando zangada, era difícil agradar ou aplacar Morgana;
outras vezes, podia ser doce, gentil a afável. Também era descrita como "a
mulher mais quente e sensual de toda a Grã-Bretanha."
Morgana era um enigma aos seus adversários políticos e
religiosos. Os escrivães cristãos transformaram-na em demônio, talvez devido ao
seu papel como sacerdotisa de uma Antiga Religião, que eles estavam tentando
desacreditar nas suas investidas para cristianizar a estrutura de poder da
Grã-Bretanha. Ela, entretanto, defendeu valentemente a fé das Fadas e as
práticas dos druidas, achando entre os camponeses simples seus mais fiéis
seguidores. Ela negou as acusações de prostituição dos monges e missionários cristãos.
É Morgana, que depois da batalha final, ampara o irmão
ferido de morte e o cuida com o zelo de uma mãe e consoladora espiritual.
O Cristianismo menospreza o poder e o conhecimento de
Morgana, do mesmo modo com que impediu a mulher à ascender ao sacerdócio,
anulando completamente o seu poder pessoal.
Layamon, autor de um poema narrativo inglês é o primeiro a
descrever como a mulher levou Artur pelas águas e não simplesmente recebendo-o
na sua chegada.
Morgana é a fada mais bela das que habitam Avalon. Não
existem fundamentos suficientes para se acreditar que Avalon seja o lugar que a
cultura celta atribuí como residência dos mortos. O que se sabe é que quando
Artur é transportado sobre as águas em companhia das mulheres com destino a
Avalon, se perde no horizonte do mito imemorial.
Este é o pano de fundo sobre o qual se desenvolvem as
diferentes lendas relativas à partida e imortalidade de Artur, que supostamente
continua vivo dentro de uma caverna ou em uma ilha. Estas mulheres que
acolheram Artur pertencem ao mundo das fadas, que provavelmente foi antes um
mundo de deusas.
Segundo Robert Graves e Kathy Jones, a Morg-Ana "surgiu
da união das estrelas com o ventre de Ana". Muitas vezes foi equiparada as
Deusas Morrigan e Macha, que presidiam as artes da guerra. Entretanto, como
fada controlava o destino e conhecia as pessoas.
Famosa por seus poderes de cura, seu conhecimento de plantas
medicinais e sua visão profética, era uma xamã capaz de alterara a sua forma,
tomando o aspecto de diferentes animais para utilizar seu poder.
Deusa mãe primitiva
Em "Estoire de Merlin", temos uma descrição
bastante detalhada de Morgana, indicando seu verdadeiro caráter e também os
estreitos vínculos que estabelece com a Deusa Mãe primitiva:
"Era a irmã do rei Arthur. Era muito alegre e jovial, e
cantava de forma muito agradável; seu rosto era moreno, mas bem metida em
carnes, nem demasiadamente gorda nem demasiadamente magra, de belas mãos, de
ombros perfeitos, a pele mais suave que a seda, de maneiras afáveis, alta
esguia de corpo, em resumo, sedutora até o milagre; a mulher mais cálida e mais
luxuriosa de toda a Grã Bretanha. Merlim havia lhe ensinado astronomia e muitas
outras coisas, e havia se aplicado ao máximo, de maneira que havia se convertido
em uma boa sacerdotisa, que mais tarde recebeu o nome de Morgana a Fada, em
virtude das maravilhas que realizou. Se explicava com uma doçura e uma
suavidade deliciosas, e era melhor e mais atrativa que tudo no mundo, embora
tivesse sangue frio. Porém quando queria alguém, era difícil acalmá-la..."
Esse é decididamente o retrato da Deusa Mãe primitiva, com
toda sua ambiguidade, às vezes boa, outras nem tanto, "cálida e
luxuriosa", como a Grande Deusa oriental e, "virgem", pois não
se submete à autoridade masculina. Observemos também que Merlim ensinou-lhe
magia do mesmo modo com que fez com Viviana, a Dama do Lago.
Outras versões da história do Merlim, versões hoje perdidas,
porém cujo rastro encontramos na célebre obra do século XV devido a Thomas
Malory, "La muerte de Arturo", vasta compilação dos relatos da Távola
Redonda, outras versões levam a pensar que Merlim foi amante de Morgana antes
de sê-lo de Viviana.